O governador Fernando Pimentel (PT) sancionou no último sábado (13) a Lei nº 22.919/18, que altera a de nº 13.635, de 2000, e passa a permitir corte de buritis em caso de interesse social. A lei vigente até aquela data permitia o corte somente quando atendesse utilidade pública. A palmeira buriti simboliza as Veredas, imortalizadas na obra de Guimarães Rosa e consideradas o “oásis do sertão” por manter água mesmo durante as mais graves secas.
O PL aprovado é diferente do original. Mediante intervenção da Semad, o corte será permitido apenas quando “a espécie ocorrer desassociada do ambiente típico de Veredas”. A proposta inicial, de autoria do deputado Fabiano Tolentino (PPS), não fazia qualquer distinção. A Amda procurou o parlamentar para expor preocupação com a proposta. Tolentino admitiu não conhecer Veredas e informou que o PL atendia diretamente os ruralistas. A entidade promoveu reunião entre ele e o geólogo Ricardo Boaventura, profundo conhecedor do assunto, mas, mesmo assim, o deputado não voltou atrás. Sua atitude ilustra bem a dissociação completa entre PLs e estudos técnicos/ambientais que deveriam subsidiá-los.
“Esta dissociação é frequente. Os parlamentares, com raras exceções, não se preocupam em avaliar impactos ambientais, econômicos e sociais de seus PLs. Aconteceu no processo de aprovação dos códigos florestais nacional e estadual e em diversas outras leis aprovadas pelo país afora. Acho que nunca deixarei de me indignar com os discursos cínicos e populistas de políticos e tomadores de decisão quanto à proteção da água enquanto aprovam leis para detoná-la, implantam ou estimulam projetos também neste sentido”, desabafa a superintendente da Amda, Dalce Ricas.
A lei aprovada determina que a extração do buriti por “interesse social” deverá ser compensada pelo plantio de duas a cinco mudas da planta por espécime suprimida ou pelo recolhimento de 100 unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais por árvore suprimida, o que equivale hoje a cerca de R$ 325. “A reprodução e plantio de buritis ainda é um desafio. Provavelmente nenhum será plantado e o dinheiro recolhido irá para a goela do caixa único do estado. Talvez para ser investido em projetos que estimulem ainda mais a destruição das Veredas”, ironiza Dalce.
Em boletim extraordinário, publicado dias antes da votação em plenário, a Irriganor (Irrigação Nordeste Indústria e Comércio Ltda.) pontuou que o deputado Durval Ângelo (PT) “cumpriu a promessa de colocar o PL em pauta” e ressaltou que o deputado Inácio Franco (PV) “apoia a ‘causa’ desde o início”. A finalidade do PL para atender os interesses da empresa e do agronegócio é deixada clara no boletim: “(..) o PL, de autoria do deputado Fabiano Tolentino, que libera o corte de buritis para construção de barramentos para irrigação (…)”. E completa: “acreditamos que a maioria dos pedidos (de barramentos) serão liberados”.
Segundos dados da ANA e da FAO (órgão da ONU), o setor agropecuário consome 72% da água captada no Brasil. Para Gustavo Diniz Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira em 2015, quando a informação foi divulgada, a análise do problema, “tem que levar em consideração que, dos principais produtos exportados, sendo que a soja produzida no Centro-Oeste tem uma posição de destaque aqui, possui um percentual de irrigação. A grande parcela dos que irrigam com água do abastecimento é o pequeno produtor. O grande produtor usa alta tecnologia”.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (Snis), vinculado ao Ministério das Cidades, apontam que a média diária de consumo de cada brasileiro é de 150 litros de água, o que corresponde a uma média anual de 10,4 trilhões de litros. Desse total, a agricultura recebe pouco mais de 7 trilhões de litros, dos quais 3 trilhões acabam desperdiçados, seja por irrigações executadas de maneira incorreta.
“Aumento da derrubada de Cerrado em Minas será consequência direta da lei aprovada, pois a proteção das Veredas era empecilho à expansão das monoculturas em áreas longe dos poucos rios que ainda correm nas regiões Norte e Noroeste do estado. Um PL como este nunca poderia ser aprovado de forma dissociada de uma política agrícola ‘ambiental’ e da proibição de novos desmatamentos. É assim: a natureza chora, a água vai embora e o agronegócio comemora”, diz Dalce.