O papel do direito fundamental à liberdade de imprensa no estado brasileiro

Um povo só consegue lutar pelos seus direitos se os conhece. Por isso, nos dizeres de Rui Barbosa, “a palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto”.

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Aline Martins Rospa
Advogada e pós-graduada em Função Social do Direito pela UNISUL.

Resumo: Artigo científico sobre o papel do direito fundamental à liberdade de imprensa no Estado brasileiro. A liberdade de imprensa é um dos pilares do estado democrático de direito, pois propicia que todos tenham acesso à informação, o que intimida a arbitrariedade estatal. Historicamente percebe-se que há certa interferência do poder público na divulgação de informações e ideias ao povo, prática que pode prejudicar na própria capacidade de formação do pensamento da sociedade. O direito à liberdade de imprensa nem sempre deve prevalecer sobre outros direitos fundamentais, já que todos eles são iguais aos olhos da Carta Magna. Por isto, não existe regra geral que possa ser aplicada, visto que os conflitos ocorrem no exercício legítimo dos direitos, portanto é imprescindível a análise do caso concreto.

1. Introdução

A liberdade de expressão é direito de suprema importância para que a sociedade possa conhecer e se defender de possíveis arbitrariedades cometidas pelo poder público. É condição primordial para que o Estado seja caracterizado como sendo democrático.

Os direitos fundamentais possuem íntima vinculação com as noções de Estado de Direito e Constituição, uma vez que juntamente com a definição da forma de Estado, sistema de governo e organização do poder, integram a essência do Estado Constitucional. Por esta razão, estes direitos exercem papel mais amplo que a simples limitação do poder estatal, tornando-se critério de legitimação da ordem constitucional.

A liberdade de imprensa estabelece um ambiente no qual, sem censura ou medo, várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e contrapostas, ensejando um processo de formação do pensamento.

Um povo só consegue lutar pelos seus direitos se os conhece. Por isso, nos dizeres de Rui Barbosa, “a palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto”.  [1]

2. Disposições gerais acerca da liberdade de expressão

A liberdade de expressão é a luta do homem em busca do seu próprio espaço, é a possibilidade de manifestar o que o seu íntimo exprime. Feliz do povo que hoje pode usufruir deste direito fundamental, pois durante muito tempo gerações, em troca de suas próprias vidas, foram obrigadas a se submeter ao poder dos mais abastados, que impediam que a verdade fosse revelada.

John Stuart Mill[2], em meados do século XIX, dizia que não lhe era certo o sentimento duma doutrina, seja ela qual fosse, dotada de presunção de infalibilidade. A incumbência de decidir uma questão pelos outros sem lhes permitir escutar o que a parte contrária pode dizer sobre o assunto é de todo reprovável.

Um dos aspectos da importância da liberdade de expressão é justificada na medida em que serve de instrumento ao controle da atividade governamental e do exercício do poder. A Constituição Federal ao garantir e prever expressamente alguns direitos fundamentais pressupõe certo controle dos órgãos estatais, por isso pode-se afirmar que estes direitos são conditio sine qua non do Estado constitucional democrático. [3]

Os piores momentos da história ocorreram quando as comunicações e a publicidade dos atos eram vigiadas de perto não permitindo o acompanhamento público.

Exemplo disto é um dos casos mais memoráveis da História. Foi ao defender seus pensamentos que Sócrates foi condenado judicialmente por seus patrícios sendo acusado de irreverência e imoralidade. Irreverência porque negou os deuses reconhecidos pelo Estado e imoralidade por suas doutrinas e pensamentos corromperem a juventude. O homem que após mais de dois mil anos ainda tem seu legado em ascensão foi condenado à morte por não ter seu direito de liberdade de expressão respeitado. [4]

Um dos aspectos que distingue os regimes democráticos dos regimes autoritários e totalitários é a noção de liberdade de expressão e de imprensa. Impossível que um Estado seja denominado democrático se não proporciona à sociedade os meios de expressarem seus pensamentos.

Ronald Dworkin, influente filósofo do Direito na atualidade, defende que todos os direitos fundamentais devem ser respeitados, porquanto são essenciais para a proteção da dignidade da pessoa humana. Desta forma, a sociedade não deve intervir na liberdade de expressão para que não haja violação à dignidade da pessoa humana.  [5]

Pimenta Bueno diz que o homem não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, por isso mesmo, que sua natureza é a de um ente social. Ele tem a tendência e necessidade de expressar e trocar suas idéias e opiniões com os outros homens, de cultivar mútuas relações. Seria impossível vedar esta conduta, porque para isso seria necessário dissolver e proibir a sociedade. [6]

Deve-se levar em consideração que a ninguém é dado o poder da verdade absoluta, por este motivo nenhum pensamento é tão magnífico que não admita questionamentos.

Acerca do cerceamento da liberdade de imprensa, John Stuart Mill, um dos maiores pensadores do século XIX, afirmou que:

“Haja esperança de ter já passado a altura de ser necessário defender a liberdade de imprensa como uma das medidas de segurança num governo de tirania e corrupção. Supomos que já não haverá necessidade de qualquer discussão sobre a existência duma legislatura ou dum executivo cujo interesse não esteja identificado com o povo que emita opiniões ou determine quais as doutrinas ou argumentos que ao mesmo lhe seja permitido escutar.” [7]

Se o filósofo inglês imaginasse a atual situação pela qual passa o mundo, jamais teria conseguido inspiração para escrever essas palavras. Um mundo em que as pessoas têm que se curvar à vontade autoritária de seus governantes, onde milhões morrem de fome devido à política, outros tantos morrem dilacerados por acreditar em um deus diferente, e também, um lugar onde aqueles que informam ao mundo todo que isto acontece são censurados. Enfim, um lugar onde o poder e o dinheiro ditam as regras do jogo.

3. A importância da liberdade de imprensa

A liberdade de imprensa é um eficaz instrumento da democracia, com ela se pode conter muitos abusos de autoridades públicas, motivo pelo qual, há muito tempo a defesa desse direito fundamental é considerada prioridade no âmbito da sociedade.

Karl Marx, em defesa da liberdade de imprensa, elucida que:

“Goethe disse que o pintor só pinta com êxito aquelas belezas femininas cujo tipo ele tenha amado como indivíduos vivos, alguma vez. A liberdade da imprensa também é uma beleza – embora não seja precisamente feminina – que o indivíduo deve ter amado para assim poder defendê-la. Amado verdadeiramente – isto é, um ser cuja existência sinta como uma necessidade, como um ser sem o qual seu próprio ser não pode ter uma existência completa, satisfatória e realizada”[8]

Para poder cumprir sua função de informar, é necessário que a imprensa possa confrontar as diversas opiniões existentes. Quando a imprensa publica uma corrente única de opinião e fabrica a opinião pública, seu conteúdo se torna vazio. [9]

Nesse sentido, não mais vigora a tese de Girardin, citado por Rui Barbosa, que defendia a impotência dos jornais perante a opinião pública e o seu valor exclusivo como órgão dela. A imprensa, dizia ele, é um barômetro, não uma alavanca  [10].

Hoje, percebe-se facilmente que a situação inverteu-se, a imprensa é formadora de opiniões e pode alavancar tanto progressos quanto instabilidade em um país. Por este motivo, deve tratar-se com tanta diligência quais são as responsabilidades e obrigações que ela deve ter.

Rui Barbosa, em brilhante passagem, afirmou que:

“A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. (…) Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”. [11]

À medida que se protege o direito individual de livremente exprimir as idéias, mesmo que estas pareçam absurdas ou radicais, defende-se também a liberdade de qualquer pessoa manifestar a própria opinião, ainda que afrontosa ao pensamento oficial ou majoritário.

Este é um dos motivos pelos quais, em alguns casos de colisão de direitos fundamentais, a Suprema Corte Americana se posicionou pela primazia da liberdade de expressão, mesmo que essa afrontasse os valores culturais vigentes ou em desrespeito à imagem de autoridades e pessoas públicas. [12]

Conforme José Afonso da Silva é na liberdade de informação jornalística que se concentra a liberdade de informar e é nela que se realiza o direito coletivo à informação. Por isso é que a ordem jurídica lhe confere um regime específico, que lhe garanta a atuação e lhe coíba os abusos. [13]

Para melhor compreender a liberdade de imprensa é necessário diferencia-la da liberdade de expressão. A liberdade de expressão tem como objetivo a manifestação de pensamentos, idéias, opiniões e juízos de valor, já a liberdade de imprensa tem como objeto a difusão de fatos e notícias. [14]

Em decorrência da modernidade dos meios de comunicação, o direito de imprensa alcança qualquer tipo de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação, sendo os mais comuns, os livros, jornais e outros periódicos, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens e os serviços de notícias.

A liberdade de expressão subdivide-se em direito de informar, direito de se informar e direito de ser informado. Por direito fundamental de informar entende-se que é assegurado ao seu titular a prerrogativa de poder divulgar fatos ou notícias que sejam de interesse coletivo. Entretanto, não basta que o Estado se abstenha de praticar atos que impeçam ou dificultem o exercício deste direito, principalmente nos dias atuais em que o fluxo de informações é enorme servindo para que a população se defenda dos possíveis abusos cometidos pelo Estado ou por seus pares.

Deve o Estado fomentar meios para que o exercício do direito à liberdade de imprensa seja efetivamente aplicado, oferecendo os meios necessários para que sua aplicação seja real e não apenas ficção jurídica.

Aqui se apresenta um ponto crucial para que o direito à liberdade de expressão, e, por conseguinte, o direito à liberdade de imprensa seja valorizado e respeitado, que é o dever de cautela de quem informa.

Conforme o ensinamento de Edílson Farias este dever é consistente na prudência de checar a idoneidade das notícias antes de sua divulgação, especialmente averiguando e comparando as fontes das informações, a fim de que o informador possa lograr uma comunicação honesta e correta dos fatos. [15]

4. Responsabilidade no exercício da liberdade de imprensa

Para que a liberdade de imprensa fosse exercida livremente no Brasil foi necessária uma grande luta. Por isto, é importante que ela seja exercida com muito discernimento, ou seja, para honrar a liberdade conquistada deve haver responsabilidade.

Um exemplo do que a falta de responsabilidade pode ocasionar foi o que ocorreu em março de 1994, quando a mídia paulistana denunciou seis pessoas por envolvimento no abuso sexual de crianças alunas da Escola Base, em São Paulo. Basearam-se em fontes oficiais e em pessoas próximas às crianças. [16] Ocorre que, posteriormente foi provado que o fato simplesmente não existiu, portanto a mídia, neste caso, ao exagerar nos fatos, simplesmente liquidou projetos profissionais e pessoais dos acusados, todos mais tarde inocentados.[17]

A Carta Magna estabelece a regra e ao mesmo tempo dita as exceções, isso porque a liberdade demanda responsabilidade, e a Constituição confirma essa dinâmica chamando determinados veículos da comunicação social a assumir plenamente o seu efetivo papel na sociedade na qual se inserem e da qual participam. [18]

Aqui cabe apresentar o conceito de comunicação social, instituto que dá nome ao Capítulo V, Título VIII da Constituição Federal, no magistério de Edílson Faria:

“Comunicação social é objeto de uma garantia institucional conferida aos meios de comunicação de massa para fazerem circular, por toda a coletividade, os pensamentos, as idéias, as opiniões, as crenças, os juízos de valor, os fatos, as informações e as notícias de transcendência pública. Em outras palavras, a comunicação social resume-se no exercício da liberdade de expressão e comunicação por meio dos órgãos de comunicação de massa.”

Na opinião de André Ramos Tavares, para que determinada ação tenha como fundamentação a liberdade de expressão, tem-se como requisito que o exercício desta liberdade não prejudique ninguém, em nenhum de seus direitos. [19]

Uma grande barreira que se apresenta para a produção de informações com qualidade é o fator tempo. Isso porque, hoje as notícias podem ser transmitidas a qualquer parte do mundo em questão de minutos, gerando uma grande competição entre as empresas, cada qual buscando o ineditismo das notícias que transmite.  Sobre a questão Sylvia Moretzsohn afirma que:

“Essa urgência imposta traz outras conseqüências: reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção da notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; submete as fontes à lógica da velocidade (apresentada como uma imposição da realidade e não como conseqüência do modo de produção), o que frequentemente compromete, na origem, a qualidade da informação a ser divulgada.” [20]

Uma crítica ao sistema de divulgação de informações pelas empresas jornalísticas é feita por Ciro Marcondes Filho:

“A lógica da imprensa no capitalismo é exatamente a de misturar coisas, desorganizar qualquer estruturação racional da realidade, e jogar ao leitor o mundo como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma lógica interna. Ao lado das manchetes, que advertem sobre o pânico (da classe dominante) diante dos saques a estabelecimentos comerciais, do aumento insistente dos assaltos, das greves, da indisciplina civil, do terrorismo, convivem pacificamente manchetes sobre vedetes, novos casamentos de artistas de TV, sobre como ganhar na loto, ou sobre a vitória arrebatadora do time de futebol. Sem essa miscelânea, a imprensa, organizada como empresa lucrativa, não teria sobrevivência comercial. A mesma lógica acompanha o jornalismo radiofônico e televisionado”. [21]

Disso extrai-se que, o jornalista deve ter responsabilidade quanto às informações que presta à sociedade, pois se há desrespeito à intimidade e à vida privada de terceiro, poderá este recorrer ao Poder Judiciário pleiteando a devida indenização, visto que, como a liberdade de expressão, o direito à intimidade e privacidade também foi erigido a direito fundamental.

5. Restrições constitucionais

O sistema de restrições constitucionais aos direitos fundamentais é baseado na premissa de que nenhum direito fundamental é absoluto. Por este motivo, a Constituição Federal prevê a possibilidade de minorar o conteúdo material de um direito fundamental para salvaguardar outro.

Como já se afirmou, o direito ao amplo exercício da liberdade de expressão é protegido constitucionalmente devendo ser defendido da arbitrariedade do Poder Público, ocorre que, se de um lado o Estado não pode interferir no exercício das liberdades, de outro deve proteger a sociedade contra os abusos no exercício do mesmo direito.

Por isto, toda manifestação do pensamento que agrida outrem deve ser contida, pois não faz parte da liberdade de expressão, ao contrário torna-se uma ameaça a este direito constitucional. [22]

O art. 5º, IX da Constituição Federal dispõe que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim, de acordo com a Carta Magna, a regra é a liberdade ampla para o exercício do direito à expressão, sendo que a restrição é exceção. Deve-se atentar, porém que, independentemente da fundamentação, a restrição sempre deverá apoiar-se na Constituição para que seja legítima[23].

O Poder Judiciário pode mediante provocação do interessado e assegurado o devido processo legal, restringir a liberdade de expressão tendo em vista a necessidade de proteção de outros direitos constitucionais. José Rodrigues Torres, registrou que:

“Qualquer restrição à liberdade de informação jornalística deve ter embasamento no próprio texto constitucional. E a Constituição Federal dá ao Poder Judiciário, com absoluta exclusividade, o poder de controlar os abusos da liberdade de informação jornalística, bem como os abusos da atuação de qualquer outra instituição, ou mesmo Poder, mediante o exercício da jurisdição. Assim, quando surge um conflito de interesses envolvendo a imprensa com a sua liberdade de informação jornalística de um lado e o cidadão com seus direitos civis e constitucionais do outro lado, cabe ao Poder Judiciário compor tal conflito.” [24]

  O que deve ser observado é que o Poder Judiciário não pode levianamente impedir previamente o exercício da liberdade de expressão, tendo em vista que o tipo de punição escolhido pelos constituintes foi a responsabilização a posteriori. As violações eventuais devem ser resolvidas em perdas e danos. O que não é previsto pela Constituição é a prévia interferência do poder público não permitindo a divulgação de qualquer livro ou revista.

6. A inviolabilidade dos direitos à honra, à intimidade, á vida privada e à imagem

O conflito freqüente entre a liberdade de informação e a proteção à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas é levantada seguidamente nas discussões doutrinárias e pretorianas acerca da ponderação de interesses, sendo esta técnica utilizada para a solução da colisão entre princípios e garantias constitucionais.

O princípio da liberdade de expressão, assim como os demais princípios que compõe o sistema dos direitos fundamentais, não possui caráter absoluto. Ao contrário, encontra limites nos demais direitos fundamentais, o que pode ensejar uma colisão de princípios. Tal é o que ocorre quando os meios de comunicação atingem a esfera intima de uma pessoa, ferindo-lhe o direito à intimidade, privacidade ou sua imagem.

Dispõe o art. 5º, X da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Deve-se atentar que tanto o direito à liberdade de expressão quanto o direito à intimidade estão elencados no art. 5º da Constituição Federal como direitos fundamentais, desse modo deve-se sempre partir da premissa que ambos possuem a mesma importância.

Considerando essa afirmação, pode-se afirmar que há colisão do direito à liberdade de expressão e imprensa com o direito à intimidade quando são divulgadas informações ao público indiscriminadamente.

Conforme Luis Roberto Barroso[25],

“A questão é saber a extensão do poder judiciário na resolução destes conflitos entre direitos fundamentais, principalmente no que diz respeito à possibilidade de impedir previamente a liberdade de expressão em deferência à intimidade e à vida privada de terceiros.”

O ilustre professor ainda sustenta que a regra é examinar o conteúdo de uma manifestação de pensamento a posteriori, sendo que somente em situações excepcionais seria possível sua interdição prévia, mesmo por ordem judicial. As violações devem resolver-se em perdas e danos, apurados mediante devido processo legal.

O abuso de direito ocorre quando seu exercício vai além dos limites preestabelecidos em lei, assim o dano será caracterizado gerando o dever de indenizar. Acontecerá o abuso quando a divulgação de fatos ou notícias quando as informações são vinculadas por simples motivo sensacionalista, sem preocupações ou compromissos com a verdade.

Não se pode olvidar, entretanto, que cada caso tem suas peculiaridades exigindo grande esforço do intérprete do direito para compreendê-las. Deve-se, porém, atentar que atualmente toda informação possui, ao menos em parte, um cunho político ou ideológico, o que dificulta muito a seleção das notícias que atendam ao interesse social das que agridam os direitos personalíssimos de alguém.

Afirma Edílson Farias que quando há colisão envolvendo a liberdade de expressão e imprensa e o direito à intimidade, atendendo ao caráter institucional daquela liberdade e sua importância para a Democracia, tem havido certa preferência valorativa abstrata pela expressão e imprensa. [26]

Sobre a questão pondera o Ministro Marco Aurélio de Mello que, dependendo sempre do caso que está sendo avaliado, há maior envergadura da liberdade de expressão, pois sendo um bem coletivo deve sobrepor-se a interesses isolados e momentâneos. Portanto, deve reservar-se para a fase subseqüente à veiculação de fatos e idéias sobre a existência da responsabilidade civil e penal. [27]

7. Conclusão

Do exposto, conclui-se que a liberdade de imprensa é um dos pilares do estado democrático de direito, pois propicia que todos tenham acesso à informação, o que, de fato, intimida a arbitrariedade estatal, motivo pelo qual, há muito tempo a defesa desse direito fundamental é considerada prioridade no âmbito da sociedade

Comumente há certa interferência do poder público na divulgação de informações e ideias ao povo, prática que pode prejudicar na própria capacidade de formação do pensamento da sociedade.

É certo que o direito à liberdade de imprensa nem sempre prevalece sobre outros direitos fundamentais, já que todos eles são iguais aos olhos da Carta Magna. Por isto, não existe regra geral que possa ser aplicada, visto que os conflitos ocorrem no exercício legítimo dos direitos.

Deve o Estado propiciar os meios para que o exercício do direito à liberdade de imprensa seja efetivamente aplicado, velando, contudo, pelo respeito aos demais direitos fundamentais.

 

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ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de expressão na Constituição Federal e suas limitações: os limites dos limites. São Paulo: Livraria Paulista, 2003.
 
Notas:
[1]BARBOSA, Rui. Discurso no Instituto dos Advogados Brasileiros. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985. p.22
[2] MILL, John Stuart. Da liberdade de pensamento e expressão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1976. 2ªed. p 26
[3] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2006. 6ª ed. p. 71
[4] MILL, John Stuart. Da liberdade de pensamento e expressão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1976. 2ªed. p 28
[5]Apud FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 67
[6] Apud José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. 20ª ed. p 240
[7] MILL, John Stuart. Da liberdade de pensamento e expressão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1976. 2ªed. p 09
[8] MARX, Karl. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre: L&PM, 2006. p. 18/19.
[9] FLEINER, Thomas. O que são Direitos Humanos? São Paulo: Max Limonad, 2003. p 112
[10] BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa: A imprensa. Rio de janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1954. Vol. XXVI. Tomo III. 1899. p.308
[11] BARBOSA, Rui. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo: Editora Papagaio, 2004. p. 32/35.
[12]MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Liberdade de Expressão. In: ROCHA, Fernando Luiz Ximenes; MORAES, Filomeno. (Coord.). Direito Constitucional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Paulo Bonavides. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.. p 599
[13] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. 20ª ed. p 245
[14] FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 55
[15]FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 87
[16] Karam, Francisco José. Cinco anos do caso da Escola Base. Disponível em <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigospb050499.htm> Acesso em 11/04/2006.
[17] Recentemente o STF manteve a condenação do TJSP à TV Globo ao pagamento de indenização aos ex-proprietários da escola Base. “A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. (Agravo de Instrumento 496.406 São Paulo/SP. Rel. Min. Celso de Mello.)
[18] BASTOS, Celso. GARCIA, Maria.  Revista Jurídica. Ano XL nº 181. Porto Alegre: Editora Síntese, 1992. p. 29
[19] TAVARES, André Ramos. Liberdade de Expressão-Comunicação. In: ROCHA, Fernando Luiz Ximenes; MORAES, Filomeno. (Coord.). Direito Constitucional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Paulo Bonavides. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 59
[20] Moretzsohn, Sylvia. A lógica do jornalismo impresso na era do “tempo real”. Discursos Sediciosos. Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, n.7/8, p.261-266, 1º e 2º semestres de 1999.
[21] Apud Moretzsohn, Sylvia. A ética jornalística no mundo ao avesso. Discursos Sediciosos. Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, n.9/10, p.319, 1º e 2º semestres de 2000.
[22] ZISMAN, Célia Rosenthal. A liberdade de expressão na Constituição Federal e suas limitações: os limites dos limites. São Paulo: Livraria Paulista, 2003. p. 124.
[23] STF. ADI 869, REL.MIN. Ilmar Galvão, DJ 04/06/04.
[24]Apud Luis Roberto Barroso. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 2ª ed.p. 372-373
[25] BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 2ª ed.p. 365
[26]FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 253

[27] MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Brasília: Revista Jurídica Consulex, 2002, Nº. 141. p. 16/18. Entrevista concedida a Revista Consulex.

Fonte: ambito-juridico.com.br

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